Wednesday 29 September 2010

à medida que os outros nos conquistam - 2

O tempo tinha parado, e descolando-se dos suados braços do seu pai, o olhos nos olhos.
- Bem vindo de volta, papai. Que sentimento estranho! O pai a acompanhou, enquanto ela a puxava pelo braço com força. - Tenho um presente para você, vem.
- Espera; tenho um para você também. - O pai soltou o braço e voltou ao canto do quintal onde estava sua bagagem: duas mochilas e uma caixa vazada, que se mexia. Ravid levantou e abriu a caixa, tirando uma bola peluda de dentro e voltou para perto da filha e da esposa. - Você escolhe o nome.
Era um cachorro aquilo? O animal olhou para a dona e bocejou, espreguiçando-se a fazendo uns ruidinhos fofos. Mal cabia nas mãos de Ravid. Amira o pegou no colo.
- É ele ou ela?
-Ele. Escolhe um nome.
Rivka pensou, pensou, e não conseguiu decidir um nome para o cão. - Ainda não tem nome, disse, levando-o pra dentro de seu quarto. Colocou-o em cima de sua cama, mas ficou com medo dele cair, então dobrou uma coberta no chão e o pos em cima. - Vê se não faz xixi aí, hein!
Voltou à sala e viu os pais dando um beijo. Estranhos, os adultos. Ao vê-la, pararam e a chamaram para sentar entre os dois.
- Aonde está?
- Coloquei no quarto - respondeu, apoiando-se no ombro do pai. Ele estava realmente mais fraco do que o vigoroso homem que partiu há dois anos. Erelah saiu para pegar a bagagem do marido, deixando os dois a sós. - Fiz um presente para você - disse mostrando o caderno desenhado. O pai segurou o livrinho, folheando, vendo os desenhos e as poucas palavras que estavam aleatoriamente escritas nas páginas.
- Que bonito, filha. Obrigada.
-É para você me ajudar a escrever nele também... Você sabe que ainda não sei direito. Mas agora que você voltou...
- Rivka, temos que conversar sobre isso. - o pai pigarreou e passou os dedos no cabelo cerrado. Um gesto que Amira tinha se esquecido. Ele fazia isso quando ainda tinha cabelos longos. - O papai sentiu muito sua falta. Estive esse tempo a poucos quilometros de casa, mas não podia vir ver-te, e não tem telefone por lá. A situação é complicada, coisas que sua cabeça ainda não entende, mas um dia você entenderá. Querem que eu volte daqui a um mês, mas eu não quero ir, e nem vou - acrescentou, ao notar um evidente olhar de protesto. - Nós vamos sair daqui. Já falei com amigos meus na embaixada, por isso demorei a chegar agora. Sei que você deve ter algumas amizades por aqui, ainda mais que você voltou à escola, mas é um mal necessário. Você entenderá - ajeitou-se no sofá para olhá-la mais nos olhos.
- Vamos para perto do meu irmão? - perguntou.
-Sim, é a minha ideia. Seu irmão continua estudando na Europa, lá é bem mais seguro para nós. Eu... - hesitou. - Eu fiz muita coisa errada. Acreditei que estava fazendo o certo, mas vivi dois anos uma mentira. - o pai continuou a olhar fixamente para a filha, esperando uma resposta. Rivka assentiu.
- Tudo bem.
-Mesmo?
-Mesmo. Vou sentir falta do deserto.
Ravid sorriu. Ele também.
Sem Nome começou a latir no quarto. Rivka estranhou o ruído, lembrou do animal, e perguntou ao pai:
- E ele, vai junto?
-Sim, claro. Agora ele faz parte da família também. Vá cuidar do seu filhote, vá.
Ela levantou-se e foi correndo ao quarto. Ele tinha sumido! E tinha feito xixi no cobertor. Foi correndo atrás de seu rastro. Estava no canto do quarto da mãe, cheirando um objeto estranho. Rivka o pegou no colo e foi até onde seus pais estavam.
-Mãe, o que era aquilo do lado da sua cama?
-O que, filha?
-Não sei, parece um relógio, tipo uma bolsa. - afagando Sem Nome.
Seu pai a olhou cheio de pavor; puxou as duas com força gritando "Corram!" e foi até o quarto. A mãe correu com a filha, até o outro lado do quintal, a abraçando. Rivka, sem entender, absolutamente nada, seguiu Erelah de perto. Parou, enquanto a mãe ainda corria e tentava abrir o portão, fechou os olhos e sentiu uma dor tão forte, tão forte, que esqueceu aonde estava, não reparou que deixou cair um cachorro de semanas no chão, que ganiu com o impacto. Gritou.
No mesmo segundo, ouviu um forte barulho de dentro da casa; uma lufada de ar quente a empurrou ao chão, enquanto sua mãe à distância gritava seu nome. Antes de ter os olhos fechados viu cacos de coisas à volta, um pedaço de sofá, um pedaço de parede, um pedaço de gente. Sentiu as costas arderem e uma dor inexplicável. Depois não sentiu nada.

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