Monday 4 October 2010

A medida que os outros nos conquistam - 3

Já haviam passado-se 9 anos desde aquela tarde; Rivka voltava da escola, e, no ônibus, pensava no pai.
Aonde será que ele está? Como será o fim do ser humano? Em um caixão, a redenção divina? Depois da morte do pai e da fuga com a mãe de Gaza, Rivka deixou de acreditar nos livros sagrados de seu povo, nos livros sagrados de qualquer povo. Morava agora num país onde aquele que se dizia Messias sem realmente o ser - como seu avô dizia quando ela ainda era pequena - era cultuado e louvado como filho de Deus. Rivka gostava de entrar nesses templos, na maioria uns extremamente antigos, cheios de ouro e adornos à volta dos fiéis. Gostava de analizar também as reações emocionais dos frequentadores, como ouviam as missas em latim, como se benziam ou comiam um pedaço de pão o qual o sacerdote chamava de ''carne de Deus''.
À noite também gostava de fugir e ir à noite nas margens do bairro onde vivia, onde um grupo de negros cantavam aquele novo estilo de música vindo da América chamado Jazz. O padre dizia que era pecado, mas o grupo de americanos também cantavam louvores ( ao mesmo Deus ), e Rivka cria que aquele era o mais verdadeiro modo de festejá-Lo. Também visitou escondida um grupo de negros mas não americanos, de religião esquisita, quase tribal, que cultuavam os mortos. Quisera entrar no grupo e perguntar do seu pai, mas lembrou-se do aviso de sua mãe: Ninguém pode saber quem somos, filha. Não que sejamos gente importante, mas seu pai foi morto por pessoas que não gostariam de saber que nós ainda estamos vivas, dizia. Continuava sem entender exatamente o motivo pelo qual seu pai foi morto - lera umas cartas antigas onde o pai dizia o absurdo que era obrigado a fazer. Não gostava de matar árabes e falava da corrupção por trás do governo de Israel, e como era insuportável para ele ter a família morando fora do território judeu no meio do campo de guerra junto com outras famílias de soldados. Agora Rivka percebia que talvez o medo da denúncia fez com que os inimigos de seu pai colocassem a bomba no quarto dele no dia de seu retorno - afinal, bomba é a coisa mais facilmente associável à palestinos.
Saltara do ônibus.
- Olá Aharon.
-Olá irmã.
Aharon conservava o mesmo ar que sempre teve: os olhos cor-de-mel, extremamente expressivos, a fitavam com o mesmo carinho de sempre. Ela nunca entendeu exatamente o porquê, mas estar ao lado de seu irmão era a maior fortaleza do mundo - sentia-se finalmente segura.
Ele mantinha o corte de cabelo de sempre, parecido com o pai: cabelo nem grande, nem curto, nem certinho ou assimétrico: único, que caia sobre os olhos e ele o tirava com o mesmo gesto que Ravid tinha: puxava para trás com apenas a ponta dos dedos. Tinha o queixo e sobrancelhas fortes, marcantes; E agora dera para usar uma argola numa das orelhas. Em um dos ombros definidos carregava uma bolsa cheia de livros e projetos; viera à Portugal para estudar engenharia, acabou se apaixonando por antropologia, mas continuava a desenhar prédios e pontes futuristas. Rivka achava curioso o fato de seu irmão estudar pessoas, porém achava mais útil do que outros vários cursos. Aharon já era formado nas duas faculdades que cursara em Lisboa: Antropologia e Filosofia, que também era meio estranho de entender. Seu irmão estudava gente e estudava o estudar do estudar dessa gente. Nobre. Trabalhava numa organização estranha, que ajudara a depor Salazar dois anos antes. Tinha uns projetos secretos também, que sussurrava com amigos e fortuitamente trocavam bilhetes em livros ou dentro de sanduiches e outros lugares improváveis. Rivka não tinha a capacidade de perceber a grandeza da ousadia política de seu irmão; mas sentia em seu íntimo um grande respeito pelo que não entendia em seu fraterno.

(a terminar)

Friday 1 October 2010

Erros e acertos


Como é fácil para o ser humano invadir os espaços uns dos outros. É impossível embarreirar nosso território, seja mental ou emocional, sempre aparecerá alguém pronto a tentar mexer no nosso espaço interno, e modifica-lo ao bel prazer do ditador de sentimentos.

Agora, e quando nós somos esses invasores? Quando nós causamos dor, mágoa, receio, ciúme, coisas tão instintivas que ficam arraigadas no ser influenciado. Quando nós invadimos o coração de alguém quase que sem querer, lenta ou abruptamente, e simplesmente soa impossível sair dessa pessoa, do seu EU. Somos o estopim da mudança, ou a certeza da calmaria e acomodação.

Idolatria. Isso nos joga dentro de uma pessoa. Isso faz com que ela te veja num patamar acima do que propriamente o dela, e torna com que tudo o que ela faça seja para agradar-te.

Desejo. Isso nos joga dentro de uma pessoa. Faz com que elas monopolizem o canal de vontade e você mais uma vez domina seu quadro mental.

Medo. Isso nos joga dentro de uma pessoa. Você passa a ser o pior pesadelo, e, fugindo de ti, você não sai de sua cabeça.

Amor. Isso não nos joga dentro de uma pessoa. Isso nos tira de nós mesmos.