Wednesday 2 June 2010

CAP1

"Não adiantava mais fugir, e ela sabia disso, tentou esquecer, mas não conseguia, estava tudo tão latente dentro de seu peito que apressou seu passo como se isso pudesse atenuar aquela dor. Mas isso só agitou o que sentia, como se sua dor estivesse lembrando-a de que não a abandonaria tão cedo, e que estava viva assim como ela respirava e andava rápido. Fechando os olhos para tentar fazer esse passado tão recente se dissolver, tropeçou e caiu por sobre os ombros de um homem que passava.
-Desculpe-me – disse ela, tentando não olha-lo. Percebeu nele um ar de riso, como o de uma mãe ao ver seu filhote dar os primeiros passos e levar os primeiros tombos.
-Você está bem? – perguntou o homem, abaixando-se para apanhar os livros que Marjorie carregava. Nem se lembrava mais deles, ela pensou, recebendo agradecida e ainda olhando pro chão.- Você não parece bem. Parece... aturdida.
Levantando o rosto ela o viu. Era mais velho do que ela cerca de dez anos, usava óculos, e apesar de ainda jovem já tinha os cabelos grisalhos. Alguma coisa nele a acalmou, talvez o leve sorriso enviesado, o olhar profundo mas carregado de uma compaixão que a acalentou como poucas coisas na vida nos fazem sentir melhor.
-Não... Estou melhor. Obrigada.
-Não há de quê, só creio que deveria se recompor antes de seguir seu caminho, do contrário vai sair esbarrando em todo mundo – riu, secando uma lágrima que escorria no rosto da jovem.
Ela se assustou com esse toque repentino, mas estava cada vez mais a vontade com esse estranho desconhecido. Riu também, tímida, ajeitando a alça da bolsa e olhando-o nos olhos. Sentiu uma momentânea vergonha de suas lágrimas, seu cabelo desarrumado pelo vento, de sua tristeza, do seu ar infantil.
-Sou Pedro. E você seria a....
-Mar.. Mariana.
-Mariana. Nome bonito. Gostaria de entrar...? Pelo menos até você se sentir melhor – apontou para um bar que piscava próximo a eles. -Por minha conta.
A menina assentiu, porém ao segui-lo hesitou um pouco; não o conhecia, será que era seguro? Lembrou-se do olhar que ela a lançara, e piscando para si mesma, passou pela porta que Pedro abrira. A luz do bar cegou-a por alguns instantes, apesar do ambiente estar precariamente iluminado, mas em segundos conseguiu se situar e se dirigiu para uma mesa próxima.
O lugar era aconchegante, parecendo um daqueles pubs irlandeses que ela vira uma vez numa revista de viagens. Era apenas mais sujo, ela riu, enquanto Pedro sentava-se e acenava para o barman mal encarado que secava um copo com um pano encardido. Que lugar clichê, pensou, sorrindo novamente.
-Ah, te vejo bem melhor, até rindo está!- disse Pedro. - Sim, me traga um chope e você.... creio que ainda não tenha idade suficiente. Um suco, um refrigerante?
-Uma água.
O barman afastou-se murmurando enfezado. Marjorie riu novamente.
-Melhor? – Perguntou Pedro, também rindo da cena.
-Bem melhor. Você vem sempre nesse lugar aqui?
-Primeira vez. Sempre passo por aqui, mas nunca tinha entrado.- Suspirou, olhando em volta. Ele tinha duas argolas na orelha, e uma tatuagem no pulso, num idioma que Marjorie não conseguiu identificar. Ele a analisava por cima do óculos, e ela novamente se sentiu criança, e agora, nua. Percebeu que ele a despia de todos os medos e receios que ela própria se cobria,e que ele verdadeiramente a via, como ela realmente era. Era uma vulnerabilidade prazerosa, sentiu que podia sim confiar naquele estranho, mesmo que só o visse naquela vez.-Então... Conte-me. Por que choravas?
-Magoei uma pessoa.
-Só?
-Só? É o pior que poderia ter feito!
-Magoar os outros é inevitável, desde que não seja proposital. Vejo que não foi, ou então a menina aqui não estaria de debulhando em lágrimas como estava. Como e quem você magoou?
-Um... Amigo. Confundi meus sentimentos e tratei-o da forma errada, dei esperanças a uma coisa que não tinha futuro, e perdi uma amizade que tanto prezo.
-Ah, a juventude... – Pedro suspirou novamente. – As vezes cansa, não? São situações que causamos e não tem nada que podemos culpar senão nossa própria falta de experiências. Vejo que você sabe muito e tem grandes sonhos, mas não sabe o exato momento de pô-los em prática. Amigo de muito tempo?
-Uma vida toda.
-Então creio que não seja tanto tempo assim, você é jovem por demais, nem beber pode! Aliás, nosso pedido está demorando – disse olhando por cima dos ombros, procurando o incompetente homem que continuava a secar os copos prestando atenção na conversa deles. Ela começou a reparar nas outras pessoas que estavam por lá: um casal de senhores encardidos a um canto, que pareciam estar ali há horas; uma mulher melancólica no fundo do salão, que soluçava, mexendo num colar de pérolas sobre a mesa; um punk que comia um hambúrguer o qual Marjorie tinha certeza que ela mesma nunca ousaria comer. Era o lugar mais clichê que já estivera. - Mas conte-me sobre você. Quem é você?
-Mariana..
-Não, não perguntei seu nome. Marianas existem muitas. Você é única. Quem é você?
-Eu... Eu não sei responder.
-Claro que não sabe. Ninguém sabe. Acho que nem mesmo Deus conseguiria definir a si mesmo.
Marjorie reparou novamente na tatuagem, enquanto Pedro brincava com o paliteiro entre os dedos. O que significava aquelas letras? Percebeu que não eram letras, e sim símbolos. Viu o símbolo do homem e da mulher...
-São planetas.
-Ah sim - sentiu-se constrangida. Ele a fitava novamente, e ela sentiu que ele queria dizer algo com aquele olhar. Marjorie sabia o que ele queria dizer, mas não admitia. Pensou "que cara safado!" mas não desviou o olhar, pelo primeiro instante. Gostou de se sentir desejada. Quem era aquele estranho e por que estava nela fazendo nascer vontades tão confusas? O tempo parecia parado, imóvel. Era uma sensação ótima, ver aqueles olhos verdes encarando-a naquele ambiente quase que épico. Não importavam-lhe os minutos que se passavam, ela era imortal, poderia ficar ali eternamente. Sentia-se mulher, pela primeira vez. Ela era alguém que poderia dirigir a própria vida, os próprios instintos.
-Tenho uma proposta para te fazer - falou Pedro, despertando-a. Vejo que você já está melhor, nem parece a mesma menina que encontrei chorando. Venha para minha casa, é aqui perto. Não vou lhe fazer nenhum mal. Sei que se eu fosse lhe fazer algum eu também diria que não, mas confie em mim. Não vou lhe fazer nenhum mal.
-Acredito em você. Meu medo não seria o que você pode fazer, mas sim o que eu posso fazer.
-E o que você pode vir a fazer?
-Não sei.- Marjorie inspirou fundo.- Vamos.
-Vamos.
Levantaram-se, e enquanto ela recolhia os livros, Pedro explicava ao barman malvado que estavam cancelando o pedido. Ele abriu a porta para sairem, e disse:
-Olhe o lugar pela última vez.
Saíram. Ela não entendeu o pedido, mas encarou a porta que se fechava lenta e ruidosamente e sentiu que seria a última vez que olharia para aquelas pessoas. Estranho. Pedro ofereceu-lhe a mão e sairam andando, não rápido nem devagar, e desceram a rua como um casal de namorados. O tempo ainda se movia vagarosamente, e ela se sentia mais velha, mais experiente, mais forte.
-É aqui.
Pararam em frente a um casarão antigo, com uma grade enferrujada e cheia de hera. Ele abriu o portão, que rangeu assustadoramente, mas não abalou a curiosidade que ela sentia de saber como era o ninho daquele estranho pássaro. Era um sobrado do início do século, que parecia não só à deriva do tempo e das pessoas, mas erguia-se como um portal para alguma coisa que Marjorie ainda não conseguia definir. Entrou seguida daquele estranho homem que passou e trancou a porta."

2 comments:

Pedro said...

poo... do caralho isso!
muito massa mesmo.
ce ta escrevendo por si só, há/virão mais capitulos?
=D

Lia. said...

virão sim. houve um motivo para eu começar a escrever, o motivo acabou, mas vou tentar dar continuidade à minha nova maneira. te amo! bjss